Exercício físico aumenta eficácia de vacinas contra Covid-19, indica estudo
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Revista Educação Física

Exercício físico aumenta eficácia de vacinas contra Covid-19, indica estudo

PESQUISADOR DOUTOR EM ATIVIDADE FÍSICA E IMUNIDADE COMENTA RESULTADOS DA PESQUISA

Que a prática de exercício físico regular é fundamental para uma saúde integral, ninguém duvida. Mas, recentemente, um estudo publicado na Revista Sports Medicine, descobriu o que muitos não esperavam: o exercício físico influencia diretamente a eficácia da vacina contra Covid-19 e a contagem de anticorpos nos vacinados. Para o Prof. Dr. Thiago Guimarães [CREF 018202-G/RJ], no entanto, esse resultado não foi uma surpresa. Ele dedica sua vida a pesquisar a relação entre atividade física e imunidade. É fundador do Grupo de Pesquisa sobre Excesso de Exercícios (GPEEx) e levou o primeiro lugar no 31º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE), em 2019.

No ano passado, Thiago contribuiu com a Revista Educação Física, explicando como a atividade física influencia o sistema imunológico dos não vacinados, na matéria “Atividade física para imunidade: quanto mais melhor?”. Já no caso daqueles que receberam as doses anti-Covid-19, o estudo que reuniu pesquisadores de universidades inglesas, escocesas, belgas e espanholas indica que as vacinas parecem mais eficazes em indivíduos que praticam atividade física regularmente.  Uma pessoa que é ativa fisicamente tem 50% mais chance de ter uma contagem de anticorpos mais alta após a vacina.  Convidamos Thiago Guimarães para comentar o estudo, na entrevista a seguir.

REVISTA EDUCAÇÃO FÍSICA - Já falamos sobre a importância da atividade física bem orientada para o fortalecimento do sistema imunológico dos ainda não vacinados. Agora, um estudo descobriu que o exercício físico pode contribuir até mesmo com a eficácia das vacinas. Essa foi uma surpresa, ou a conclusão já era esperada?

THIAGO GUIMARÃES - De certa forma, a conclusão já era esperada. Em 2019, pesquisadores australianos e suíços publicaram uma revisão1, onde citaram 43 diferentes fatores que influenciam a resposta imune à vacinação. Esses fatores foram reunidos em oito grandes grupos de acordo com suas características: intrínsecas (idade, sexo, características genéticas, por ex.); perinatais (duração da gestação, histórico de infecções e anticorpos da mãe, por ex.); extrínsecas (imunidade e exposições pregressas, por ex.); comportamentais (sono, tabagismo, alcoolismo, estresse agudo e crônico, exercício físico); nutricionais (micro e macronutrientes, por ex.); ambientais (meio rural ou urbano, estação do ano, por ex.); da própria vacina (tipo, dose, insumos, por ex.); e administração da vacina (período do dia, coadministração com outras vacinas ou fármacos/drogas, por ex.).

Na prática, essas inúmeras variáveis ajudam a explicar as diferenças percentuais quanto à eficácia entre vacinas existentes e pessoas, além de reforçar a necessidade de preocupação com o estilo de vida. Não basta aplicar a vacina e acreditar que estará cem por cento protegido.

¹ Zimmermann et al. Factors That Infl uence the Immune Respon-se to Vaccination. Clin Microbiol Rev. 2019;32(2).

REVISTA EDUCAÇÃO FÍSICA - O estudo descobriu que uma pessoa que é ativa fisicamente tem 50% mais chance de ter uma contagem de anticorpos mais alta após a vacina. Como deve ser esse programa de atividade física e qual a importância da orientação profissional?

THIAGO GUIMARÃES - As principais recomendações internacionais quan-to à prática regular de atividades físicas preconizam o acúmulo de 150 a 300 minutos semanais sob intensidade moderada ou 75 minutos semanais de atividades vigorosas. Além das atividades de predominância cardiorrespiratória, há também a necessidade de se estimular outros componentes da aptidão física, como a resistência muscular e força, por pelo menos duas a três vezes por semana. Para que isso ocorra, os principais grupamentos musculares dos membros superiores e inferiores devem ser trabalhados de forma isolada.

Quando o programa de atividades físicas é integrado ou multicomponente, também são priorizadas destrezas como o equilíbrio, flexibilidade, consciência corporal, potência e coordenação motora, por exemplo.

No entanto, por se tratar de recomendações genéricas, é fundamental que haja adaptações individuais, levando--se em consideração o nível prévio de condicionamento físico, possíveis restrições e objetivos/expectativas compatíveis com as realidades. Prescrever exercícios físicos é uma das principais atribuições do Profissional de Educação Física. Para que isso ocorra de maneira eficiente, ele deverá avaliar, planejar, intervir, monitorar e se atualizar frequentemente. Sem os ajustes necessários à adesão aos exercícios físicos é impossível experimentar tantos benefícios relacionados à imunidade. O bom Profissional irá prever barreiras, elaborar planos exequíveis, enfatizar aspectos agradáveis e integrar a rotina com outros tratamentos e áreas da saúde, facilitando o desenvolvimento do hábito saudável e estilo de vida positivo.

REVISTA EDUCAÇÃO FÍSICA - Para obter esses benefícios, é preciso já estar praticando a atividade física há determinado tempo antes da aplicação da dose, certo? Podemos precisar uma margem de tempo razoável para iniciar os treinos, antes da vacinação?

THIAGO GUIMARÃES - Referências tradicionais sugerem que o aperfeiçoamento da aptidão física ocorre a partir de seis a oito semanas de treinamento, porém, o aprimoramento de variáveis metabólicas e da capacidade de endurance já foi observado com seis sessões de exercícios realizados em duas semanas de treinamento2.

As adaptações fisiológicas podem ser mais ou menos evidentes dependendo do nível prévio de condicionamento físico, idade, tipo de treinamento, frequência, dieta, sono e estresse acumulado, por exemplo.

É importante ressaltar que os benefícios das atividades físicas são reversíveis. A interrupção ou redução drástica nas sessões de exercício leva a uma perda significativa dos ganhos adquiridos previamente. Não basta começar a se exercitar duas, três, seis semanas antes da vacinação e interromper a programação por ocasião da vacinação. Além disso, o exercício físico por si só não faz milagres e há pelo menos outros 42 fatores associados com a otimização da imunização.

² Burgomaster KA, Hughes SC, Heigenhauser GJ, Bradwell SN, Gi-bala MJ. Six sessions of sprint interval training increases muscle oxidative potential and cycle endurance capacity in humans. J Appl Physiol. 2005;98(6):1985-90.

REVISTA EDUCAÇÃO FÍSICA - Caso essa atividade física seja realizada de maneira inapropriada, ou demasiada, sabemos que pode ter efeito reverso para a imunidade dos não vacinados. O mesmo pode acontecer com a efi cácia da vacina?

THIAGO GUIMARÃES - Se partirmos da premissa de que o exercício físico representa um importante estímulo estressor, perturbador da homeostase, e dependendo da dose pode ser benéfico (eustresse) ou prejudicial (distress), essa hipótese talvez seja compatível em relação à eficácia da vacina.

Há um consenso na literatura sobre o acúmulo do estresse, seja de origem metabólica e/ou mental, como gatilho para a janela aberta de oportunidade, condição de desequilíbrio entre as respostas imunes celulares e humorais que facilitam a infecção por vírus, por exemplo. Essa discussão é muito interessante e é provável que nos próximos anos a imunologia do exercício enquanto ciência ajude a elucidar.

REVISTA EDUCAÇÃO FÍSICA - Na sua opinião, perceberemos uma maior adesão da população à atividade física regular, no cenário pós-pandemia, uma vez que seus benefícios têm estado, cada vez mais, em evidência?

THIAGO GUIMARÃES - Infelizmente, a realidade não é essa. Há evidências que apontam justamente o aumento do sedentarismo, inatividade física e comportamento sedentário, em crianças, adultos e idosos. Barreiras relacionadas à infraestrutura, preconceitos e desconhecimentos parecem prevalecer, por incrível que pareça. Por esse motivo, profissionais da área da saúde, seus respectivos conselhos regulatórios, universidades, fundações de amparo à pesquisa, mídia e autoridades políticas não devem poupar esforços para conscientizar sobre imunidade e saúde no controle em médio a longo prazo da atual pandemia. O pano de fundo para a maioria das enfermidades agudas, como a Covid-19, são as doenças crônicas, desenvolvidas por inatividade física, alimentação irregular, estresse mental crônico, sono ruim, consumo de drogas (tabaco, medicamentos, álcool) e poluição, por exemplo. A vacina é extremamente importante, mas acreditar que encontramos a solução definitiva é ilusão.

O estudo pode ser acessado, na íntegra, aqui

A entrevista com o Prof. Dr. Thiago Guimarães, na edição nº 74, está disponível aqui.