Profissional de Educação Física é referência no combate à pandemia
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Profissional de Educação Física é referência no combate à pandemia

PEDRO HALLAL FALA SOBRE EXPERIÊNCIA NA COORDENAÇÃO DE UM DOS MAIORES ESTUDOS SOBRE COVID-19 DO MUNDO

Números oficiais e a realidade: quão distante um está do outro? Quando se fala de Covid-19, mapear essa dimensão torna-se crucial para a adoção de políticas públicas de enfrentamento à pandemia. Para responder a essa e a outras perguntas, foi realizado o mais amplo estudo sobre a prevalência de infecção pelo coronavírus do país.

O EPICOVID-19 tem como objetivo estimar o percentual de brasileiros infectados com o Sars-CoV-2 por idade, gênero, condição econômica, município e região geográfica; determinar o percentual de assintomáticos; avaliar sintomas e letalidade, além de oferecer subsídio para políticas públicas e medidas de isolamento social.

O trabalho teve como coordenador o Profissional de Educação Física e ex-reitor da Universidade de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal [CREF 024120-G/RS], que se tornou autoridade no assunto a nível nacional. Na entrevista a seguir, Hallal fala sobre a experiência de coordenar o Epicovid, conta os principais desafios que sua equipe enfrentou e lembra do seu percurso profissional, da graduação em Educação Física à Epidemiologia.

Revista Educação Física - Pode falar um pouco sobre a experiência de coordenar uma pesquisa do porte da Epicovid19-BR?

Pedro Hallal - Coordenar projetos de pesquisa do porte do EPICOVID-19 já é uma tarefa desafi adora em tempos normais. Só para que se tenha uma ideia, a equipe de coletadores de dados do projeto incluía mais de 2 mil pessoas. Coletar, em quatro dias, dados de 33.250 pessoas em 133 cidades espalhadas por todos os estados do Brasil é muito desafiador. Agora, fazer isso durante uma pandemia é ainda mais complicado. Em primeiro lugar, porque os prazos são outros: um planejamento que demoraria um ano foi todo feito em um mês, em decorrência da emergência sanitária. Além disso, toda a logística da pesquisa foi afetada pela pandemia: transporte, hospedagem, alimentação. No meio disso tudo, tínhamos que garantir a segurança dos entrevistadores e dos entrevistados, com o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), testagem de todos os entrevistadores, etc. Como se não bastasse, a pesquisa foi conduzida num cenário de extrema polarização e ataques à ciência. Enfim, uma experiência única.

Revista Educação Física - Trata-se do estudo epidemiológico com maior número de indivíduos testados do mundo para o coronavírus, correto? Ao todo, foram realizadas cinco etapas? Pode falar um pouco delas?

Pedro Hallal - Desde o princípio, o EPICOVID-19 foi inovador. Ao lado de uma pesquisa espanhola, é o maior estudo epidemiológico do mundo sobre coronavírus. As diferentes etapas possuem, em linhas gerais, os mesmos objetivos. A justificativa para as várias fases é que tirar uma “fotografia” do status do coronavírus no país não seria tão informativo quanto tirar várias “fotografias”, construindo um “filme”. A grande mudança metodológica foi implementada agora na quinta fase, quando mudamos o teste usado para diagnosticar a infecção por SARS-CoV-2. A escolha pelo novo teste, baseado no método ELISA (detecção de anticorpos), justifica-se pela capacidade de identificar não apenas infecções recentes, mas também aquelas ocorridas há vários meses.

Revista Educação Física - Como os resultados da pesquisa podem auxiliar os gestores no desenvolvimento de políticas de saúde?

Pedro Hallal - Eles já auxiliaram. No dia 09 de maio de 2020, o Rio Grande do Sul lançou o Modelo de Distanciamento Controlado, que usa, entre outras informações, os dados do EPICOVID-19, para determinar o grau de isolamento a ser cumprido em cada região do estado. Muitos prefeitos e governadores também utilizaram os dados da pesquisa para embasar suas decisões. É um exemplo clássico de pesquisa que afetou diretamente as políticas de saúde.

Revista Educação Física - Com mais de um ano desde o primeiro caso de Covid-19 no país, em 2021 enfrentamos o pior momento da pandemia. A que fatores o senhor atribui esse panorama?

Pedro Hallal - A Covid-19 está em todos os lugares do mundo, ou seja, era inevitável que chegasse ao Brasil. O que existe de único no caso brasileiro é o fracasso no enfrentamento da pandemia. Como consequência, temos a estatística de que 3 em cada 4 mortes ocorridas até hoje poderiam ter sido evitadas se o país tivesse um desempenho igual a média mundial no enfrentamento da pandemia. Não estou falando nem em se comparar com Nova Zelândia, Coréia do Sul, Cingapura. Estou falando apenas em ser igual a média. O fracasso é decorrente de uma agenda negacionista, da baixa testagem, do não rastreamento de contatos, do desestímulo governamental ao distanciamento social e da lerdeza da campanha de vacinação. O Brasil recentemente foi listado por um instituto australiano como o pior modelo de enfrentamento à pandemia. É uma situação muito triste.

Revista Educação Física - O que é possível fazer para mudar esse cenário?

Pedro Hallal - Ouvir a ciência e implementar medidas baseadas em evidências. Basicamente, testagem em larga escala, rastreamento de contatos, distanciamento social e vacinação rápida. Enfim, bastaria o Brasil fazer o básico e 3 em cada 4 mortes teriam sido evitadas. São quase 200 mil famílias que perderam seus entes queridos para o negacionismo.

Revista Educação Física - Como o Profissional de Educação Física, enquanto profissional da área da saúde, pode ajudar na disseminação de boas práticas?

Pedro Hallal - A inatividade física causa 5,3 milhões de mortes por ano no mundo. Pessoas fisicamente ativas tendem a apresentar casos mais leves de Covid-19 em comparação aos inativos, e se recuperam mais rápido pós-infecção, especialmente quando se mantém ativas. Em resumo, incentivar a atividade física é importante tanto por seus benefícios conhecidos quanto por seus benefícios recém-descobertos contra a Covid-19. Nosso papel crucial nesse momento é estimular a sua prática.

Revista Educação Física - Qual é a orientação para a prática de atividades físicas neste momento? Como os estabelecimentos e os usuários desses serviços deverão se adequar?

Pedro Hallal - A primeira questão é que não podemos confundir a necessidade da atividade física com a quebra do distanciamento social. Os espaços para a prática de atividade física e os profissionais devem se adaptar ao estágio da pandemia em cada local, prescrevendo treinos com a devida segurança. Felizmente, depois dos primeiros meses de muita reclamação e pouca ação, a nossa área conseguiu se adaptar e hoje praticar atividade física na maioria dos espaços é muito seguro. Combinando a necessária segurança com os já mencionados benefícios da atividade física, temos um momento perfeito para o estímulo à prática de atividade física no Brasil.

Revista Educação Física - Com as taxas de vacinação crescendo, ainda que timidamente, já é possível projetar uma redução nos casos?

Pedro Hallal - Pelos dados internacionais, a redução de casos já começa a ser observada quando atingirmos 40% da população imunizada. Infelizmente, estamos muito lentos até agora, mas espero que o ritmo da vacinação melhore nas próximas semanas. E quando chegarmos a 70% da população vacinada, a circulação do vírus reduzirá muito e chegaremos na tão desejada imunidade coletiva.

Revista Educação Física - Mesmo com a vacina, muitos cuidados deverão ser mantidos, correto? Quais práticas deverão permanecer pelos próximos anos?

Pedro Hallal - No momento, é necessário manter todas as medidas de cuidado, como uso de máscaras, higienização constante das mãos e evitar aglomerações. Passada a pandemia, o uso de máscaras provavelmente só será recomendado em caso de sintomas gripais e as aglomerações voltarão a ser liberadas. A higienização das mãos, no entanto, acho que veio para ficar, felizmente.

Revista Educação Física - O senhor pode contar um pouco sobre a sua trajetória profissional? Quando e como a área da Epidemiologia passou a fazer parte da sua carreira?

Pedro Hallal - Cursei a graduação em Educação Física na Universidade Federal de Pelotas entre 1997 e 2000. Entrei na Faculdade querendo ser treinador de futebol. Ao longo do curso, me envolvi com o trabalho em academia de ginástica e com esportes, mas ao fim da graduação, notei que o meu caminho era a vida acadêmica. Realizei então mestrado e doutorado em Epidemiologia, entre 2001 e 2005. Nos anos seguintes, segui minha vida profissional sempre conciliando o trabalho na Educação Física e na Epidemiologia. É um casamento que deu certo.

O EPICOVID-19 - Conduzido por um grupo de pesquisadores da UFPel e coordenado pelo epidemiologista Pedro Hallal, o EPICOVID-2019 é o primeiro estudo brasileiro a investigar o número de infectados pelo novo coronavírus. O levantamento teve início no Rio Grande do Sul e contou com a parceria de outras universidades gaúchas. Trata-se de uma iniciativa do governo do estado com a participação do Ministério da Saúde para sua replicação em nível nacional.

 

AS DESCOBERTAS DO EPICOVID-19

1. O vírus afeta tanto crianças quanto adultos, diferentemente do que se pensava no início da pandemia. Felizmente, a gravidade das infecções tende a ser menor nas crianças, mas elas têm o mesmo risco de infecção que os adultos.

2. O repetido argumento de que a maioria das infecções é assintomática é equivocado. A maioria dos pacientes apresenta sintomas leves, mas não são assintomáticos. Por exemplo, 60% das pessoas com coronavírus relatam perda ou alteração de olfato e paladar, confirmando a relevância desse sintoma no diagnóstico da doença.

3. Até o meio de 2020, havia seis vezes mais pessoas infectadas pela Covid-19 no Brasil do que mostravam as estatísticas oficiais, confirmando a teoria do iceberg*, que aliás é o logotipo do projeto.

4. Há marcantes desigualdades regionais na Covid-19 no Brasil. A pandemia afetou primeiro e com mais intensidade a região norte do Brasil. Existem múltiplas curvas epidêmicas em um mesmo país.

5. As pessoas indígenas apresentam risco elevado de contaminação por SARS-CoV-2.

6. Foram observadas marcantes desigualdades socioeconômicas na distribuição do coronavírus no país. O risco de infecção foi o dobro entre os 20% mais pobres da população em comparação aos 20% mais ricos.

*MAS POR QUE “TEORIA DO ICEBERG”?

Quando a Covid-19 se aproximava do Brasil, enxergávamos na Europa e no resto do mundo um número de casos oficiais. Este conjunto de casos representam a ponta do iceberg, ou seja, uma pequena fatia visível. O objetivo do Epicovid foi viabilizar a visão do iceberg como um todo, ou seja, compreender a real dimensão da doença.