Atividade Física e ressocialização
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Revista Educação Física

Atividade Física e ressocialização

Projetos buscam desencadear iniciativas de reflexão do preso sobre sua realidade, tanto na prisão quanto na sociedade

O Brasil é terceiro país com maior número de pessoas presas, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. De acordo com os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, a taxa de presos que em 2014 era de 306,22 para cada 100 mil habitantes, subiu para 352,6 indivíduos em junho de 2016. A situação se agrava quando revela-se que cerca de 40% dos presos são provisórios, ou seja, ainda não tiveram condenação judicial. Mais da metade dessa população é de jovens de 18 a 29 anos com o ensino fundamental incompleto e 64% são negros. 

Divulgado em dezembro, o levantamento do Infopen também revela que o número de vagas no sistema prisional brasileiro diminuiu, ao contrário da população carcerária. Foram contabilizadas 3.152 vagas a menos e 28.094 presos a mais no primeiro semestre de 2016, com relação ao fim de 2015. Esse crescimento faz com que a população encarcerada brasileira viva abaixo da linha de dignidade mínima, ferindo os ditames da Constituição Brasileira e de Pactos e Tratados versando sobre direitos humanos.

A superlotação somada à falta de celeridade da lei e à ausência de políticas públicas contínuas mostrou suas consequências em 2017. Rebeliões paralisaram o país, deixando mais de 120 mortos em presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. Nos três estados, os provisórios – presidiários sem julgamento – representam cerca de metade da população carcerária.



Para que a vida das pessoas privadas de liberdade não seja reduzida à mera sobrevivência física, e esses indivíduos possam retornar à liberdade, de fato, reabilitados, é preciso que seus direitos civis sejam respeitados. A Constituição Brasileira assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A garantia de tal direito extrapola o aspecto apenas curativo para inserir-se no conceito de bem-estar e de atenção integral. A Lei de Execução Penal Brasileira também sugere que o preso deva ter o direito à prática de atividades esportivas e recreativas. Mas se esse direito é constantemente reconhecido em leis, regulamentos e propostas, lamentavelmente na prática é pouco observado e respeitado. 

Buscando reverter esse quadro, iniciativas regionais e ou voluntárias buscam, por meio da promoção de atividades físicas, contribuir para prevenção e reabilitação de doenças, humanizar o sistema prisional, incorporar valores morais e éticos no relacionamento interpessoal, entre outros. A seguir, apresentamos, algumas iniciativas que caminham em direção à ressocialização. 

Pernambuco

Em Canhotinho, o Centro de Ressocialização do Agreste (CRA), conta com aulas de Judô e Futebol para os apenados. O Presídio de Igarassu (PIG) promove partidas de Futebol entre reeducandos semanalmente, inclusive com a participação do gerente da unidade prisional e, eventualmente, do secretário-executivo de Ressocialização, Cícero Rodrigues. As partidas conferem taças e medalhas aos vencedores. Há também no PIG, competição de Judô entre os detentos. No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, no Complexo do Curado, são realizados jogos de Capoeira. O Presídio de Vitória de Santo Antão (PVSA) realiza atividades esportivas ao longo do ano e pelo terceiro ano consecutivo realiza um campeonato interno entre os pavilhões com a participação de jogadores profissionais. Todas as ações são promovidas pelo Governo do Estado de Pernambuco, através da Secretaria Executiva de Ressocialização, vinculada à Justiça e Direitos Humanos.  



Mato Grosso do Sul

Para estimular a prática esportiva entre os detentos, a Agência Estadual de Administração Penitenciária (Agepen) – em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e de Educação, por intermédio da Escola Polo Prof. Regina Lucia Anffe Nunes Betine – durante dois anos, um projeto específico de Educação Física. O Projeto Educador Físico na Interdisciplinaridade da Saúde às Pessoas em Privação de Liberdade nos Estabelecimentos Penais de Campo Grande atendia os reeducandos acometidos de patologias, que requeriam a prática do Exercício Físico (atividades físicas, laborais e motivacionais), como prevenção dos fatores de risco à saúde e atenuante do sedentarismo, melhorando seu estado físico e mental. 

O projeto era realizado nas unidades prisionais de regime fechado de Campo Grande, com o auxílio da direção do Módulo de Saúde do Complexo Penitenciário.

De acordo com a assessoria de imprensa da Agepen, os trabalhos do projeto foram interrompidos devido à falta de recursos e a impossibilidade de contratação de profissionais, mas providências para buscar novas parcerias e recursos estão sendo tomadas para a retomada das atividades.

Brinquedos educativos

O atendimento humanizado recebido pelas pessoas privadas de liberdade pode refletir em importantes ações. No mesmo estado, o Profissional de Educação Física e agente penitenciário, Vinícius Saraiva de Oliveira [CREF 006075-G/MS], criou um projeto em que os detentos da Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande, utilizando restos de materiais como madeiras e tintas, criam brinquedos educacionais que são doados para crianças em creches da cidade.

O projeto “Educação Lúdica com Brinquedos Pedagógicos” é desenvolvido desde 2015 e nasceu da experiência do profissional em creches. “Logo após concluir minha graduação, tive a vivência com Centros de Educação Infantis e percebi a carência de brinquedos. Foi então que eu resolvi fazer uso de restos de madeira que seriam descartados e, com o apoio da Agepen, dei início ao projeto”.

O Profissional analisa o projeto como extremamente valioso. “Por atender as crianças, noto interesse e brilho nos olhos dos apenados, sempre dispostos a diversificar, participando também com ideias de peças novas. Hoje me sinto realizado e pretendo não parar, atingindo mais e mais crianças, uma vez que o projeto só cresce, mesmo com pouco ou quase zero incentivo financeiro”, conta Vinícius Oliveira.

Atualmente, o projeto conta com a participação de 30 internos, que confeccionam brinquedos de madeira e bonecos de linha utilizando sacolas recicláveis. Vinícius atua, ainda, no projeto “Arte com pneus”, ao lado do também Profissional de Educação Física, Felipe Augusto da Costa Souza [CREF 005766-G/MS]. Na iniciativa, os detentos do presídio de segurança máxima realizam a confecção dos parques de pneus e os internos do presídio semiaberto da capital fazem a instalação dos materiais. Já foram entregues dois parques que antes não traziam nenhum atrativo à população.